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quarta-feira, 6 de abril de 2011

Eu vim aqui me buscar...


Por Ana Jácomo

Eu vim aqui me buscar. E aqui parecia ser longe, muito longe do lugar onde eu estava, o medo costuma ver as distâncias com lente de aumento. Vim aqui me buscar porque a insatisfação me perguntava incontáveis vezes o que eu iria fazer para transformá-la e chegou um momento em que eu não consegui mais lhe dizer simplesmente que eu não sabia. Vim aqui me buscar porque cansei de fazer de conta que eu não tinha nenhuma responsabilidade com relação ao padrão repetitivo da maioria das circunstâncias difíceis que eu vivenciava. Vim aqui me buscar porque a vida se tornou tediosa demais. Opaca demais. Cansativa demais. Encolhida.

Vim aqui me buscar porque, para onde quer que eu olhasse, eu não me encontrava. Porque sentia uma saudade tão grande que chegava a doer e, embora persistisse em acreditar que ela reclamava de outras ausências, a verdade é que o tempo inteirinho ela falava da minha falta de mim. Vim aqui me buscar porque percebi que estava muito distante e que a prioridade era eu me trazer de volta. Isso, se quisesse experimentar contentamento. Se quisesse criar espaço, depois de tanto aperto. Se quisesse sentir o conforto bom da leveza, depois de tanto peso suportado. Se quisesse crescer no amor.

Vim aqui me buscar, com medo e coragem. Com toda a entrega que me era possível. Com a humildade de quem descobre se conhecer menos do que supunha e com o claro propósito de se conhecer mais. Vim aqui me buscar para varrer entulhos. Passar a limpo alguns rascunhos. Resgatar o viço do olhar. Trocar de bem com a vida. Rir com Deus, outra vez. Vim aqui me buscar para não me contentar com a mesmice. Para dizer minhas flores. Para não me surpreender ao me flagrar feliz. Para ser parecida comigo. Para me sentir em casa, de novo.

Vim aqui me buscar. Aqui, no meu coração.


VAI PASSAR...


Por Rosane Araujo

Por mais que eu tente desviar o olhar, fingir que não vejo ou negar, a indiferença queima... literalmente... meu centro.

Sei que esta é uma sensação que passa e, depois, até me fortalece...

Estou ciente de que cada superação desta natureza é mais um passo rumo ao meu crescimento e amadurecimento...

Mas, ainda assim, sou incapaz de passa...r ilesa pela frieza de sentimentos, mesmo que aparente...

Sempre que este "dragão" aparece, respiro fundo e tento me restabelecer, mas o ar que inspiro parece instigar, alimentar ainda mais o fogo destruidor da minha alegria.

Vai passar... vai passar... vai passar... Repito incessantemente, como um mantra, tentando me convencer.

Eu sei que vai, mas não agora, não hoje, não enquanto eu não encontrar o antídoto - água ou terra - capaz de neutralizar o incêndio arrasador.

Sim... eu sei que sou eu quem me coloco nesta posição de desvantagem, exposta ao norte, sul, leste e oeste.

Sim... eu sei que sou eu que tem que dar o passo para sair deste lugar sombrio, que me entristece... deste campo minado...

Sim... eu sei que tenho forças para isso e o farei...

Mas, agora... agora... neste minuto... preciso deixar escoar este rio que se formou no meu coração.

Depois que escoar tudo... eu também já sei que encontrarei um tesouro recheado de brilhantes e autênticas pérolas de sabedoria e positivismo.

Mas só agora, por alguns minutos, eu preciso jorrar...

Amanhã eu ilumino tudo de novo... por que minha essência é pura luz e eu acredito que tudo é perfeito do jeito que é... mesmo que, agora, eu não entenda.

sexta-feira, 25 de março de 2011

ENCONTROS


por Ana Jácomo


No meio das defesas todas, havia algo que não se defendia, não sabia como se defender, não conseguiria, ainda que tentasse. Havia algo delicioso de se sentir que escorregava de dentro da gente e se esparramava no sorriso. Escapulia no olhar. Cantava no silêncio. Fazia florescer pés de sol no tempo encantado em que estávamos juntos. Dispensava nomes e entendimentos. Havia algo que tinha um cheiro inconfundível de alegria. De vida abraçada. De chuva quando beija a aridez. De lua quando é cheia e o céu diz estrelas. Um cheiro da paz risonha do encontro que é bom.

No meio das defesas todas, havia algo que não se defendia, não sabia como se defender, não conseguiria, ainda que tentasse. Havia algo maravilhoso para ser dado e recebido, daqueles presentes que a vida embrulha com os seus papéis mais bonitos e entrega, toda contente, para duas pessoas. Havia algo para ser trocado, e troca é quando duas vidas se sentem olhadas ao mesmo tempo. Havia algo que fazia um coração falar com o outro, ouvir o que era dito, gostar do que era dito, rir com o que era dito, sentir-se espelhado, sentir-se enternecido, querer brincar, muito além do que qualquer palavra, por qualquer motivo, por qualquer defesa, tentasse, em vão, esclarecer. Uma vontade de parar todos os relógios do mundo para eternizar a dádiva da presença compartilhada, e a impressão de que às vezes até conseguíamos.

No meio das defesas todas, havia algo que não se defendia, não sabia como se defender, não conseguiria, ainda que tentasse. Havia algo que escapava, ileso, dos artifícios todos, todos tolos, que a razão arranjava para não deixar o amor fluir com a beleza dele, o chamado dele, a natureza dele. Amor sempre arruma brecha para escoar entre os dedos temerosos do medo. Pode ser que a gente sinta tanto receio e se proteja tanto, as feridas antigas cicatrizadas coisíssima nenhuma, que nem consiga vivê-lo em sua plenitude. Mas que ele escoa, escoa. Esparrama no sorriso. Escapole no olhar. Canta no silêncio. Diz.

No meio das defesas todas, havia algo que não se defendia, não sabia como se defender, não conseguiria, ainda que tentasse. Havia algo que delatava o desejo, os quarteirões da gente todos iluminados com o fogo feliz da sensualidade, iluminadas as ruas todas que dão acesso ao lugar onde o corpo e a alma costumam se encontrar e dançar numa única canção. Havia algo que não podia ser negado, preterido, amordaçado. Algo que inaugura primavera, tanto faz se é inverno. Algo raro e precioso. Que é perfeito, ao mesmo tempo que consegue incluir todas as imperfeições. Que é lindo, ao mesmo tempo que consegue integrar as esquisitices todas que gente também tem. Havia amor e, de um jeito ou de outro, sabíamos sem nos dizer, havia chegado pra ficar.

O amor quando é amor é amor.

domingo, 20 de março de 2011

SABER e SABOR


Por Ana Jácomo

Simplesmente, não sei: embora raras vezes eu já consiga entrar nele, sinto que este é um dos lugares de maior descanso, de maior abertura, de maior oportunidade, para onde a liberdade de vez em quando me traz.

A vida é tecida com os fios disponíveis de cada agora. De cada respiro. De cada ação. De cada acontecimento. De cada sabor. É essa tecelã que olha para você neste instante e me olha também. O que ainda não veio, quem sabe? Eu não sei.

Sabor é o presente. Saber é quando a gente desembrulha.


Link: http://anajacomo.blogspot.com/

sábado, 19 de março de 2011

O TEMPO DAS COISAS...



Por Ana Jácomo

Poderíamos, com mais frequência, tentar deixar a vida em paz para desembrulhar suas flores no tempo dela, no tempo delas, e, em alguns momentos, nem desembrulhar. Apesar da nossa cuidadosa aposta nas sementes, algumas simplesmente não vingam e isso não significa que a vida, por algum motivo, está se vingando de nós. Há muito mais jardim para ser desembrulhado.

Poderíamos, mais vezes, tentar respeitar os dias e as noites das coisas, os sóis e as luas de cada uma, os amanheceres, os entardeceres, as madrugadas, a sabedoria reparadora e tecelã dos intervalos, as estações todas com seus jeitos todos de dizer. Percebermos, mais vezes, a partir da nossa própria experiência humana, que tudo o que vive, queira ou não, está submetido à inteligência natural e engenhosa das fases. Dos ciclos. Da permanente impermanência. Da mudança.

Poderíamos, amiúde, tentar desviar nossa atenção do relógio perigoso da expectativa, geralmente adiantado demais. Aquele tal cuja velocidade transtornada dos ponteiros costuma apontar para o tamanho e a urgência das nossas carências. Para a necessidade de preenchimento imediato e contínuo do que chamamos de vazio, às vezes porque é, às vezes por falta de palavra melhor. Aquele tal relógio que geralmente só antecipa frustração e atrasa sossego. Aquele tal que costuma só fomentar dificuldades e alimentar fomes.

Mas, não. A crisálida ainda está se acostumando com a ideia de ser borboleta e já queremos que voe. A flor ainda é botão e, em vez de apreciá-la como botão, ficamos apressados para vê-la desabrochada. O fruto ainda precisa amadurecer, mas o arrancamos, verde, do pé, por mera ansiedade. Ainda é a vez do tempo estar vestido de noite, mas queremos que se troque rapidinho para vestir-se de manhã.

Nossa impaciência, nossa pressa àvida pelo resultado das coisas do jeito que queremos, no tempo que queremos, geralmente altera o sábio fluxo do tempo da vida e o desdobramento costuma não ser lá muito agradável. Não é raro, nós o atribuímos à má sorte, ao carma, ao mau-olhado. Não é raro, culpamos Deus, os outros, os astros, os antepassados. Não é raro, é claro, nós ainda nos achamos cobertos de razão.

É fácil lidar com isso? Não é não. Nem um pouco. Esse é um dos capítulos mais difíceis do livro-texto e do caderno de exercícios: o aprendizado do respeito ao sábio tempo das coisas.


Link: http://anajacomo.blogspot.com/



sexta-feira, 18 de março de 2011

Sobre instantes...


 

Por Ana Jácomo
 
 
Tinha um jeito singular de fechar os olhos quando experimentava emoção bonita, coisa de segundos e coisa imensa. Era como se os olhos quisessem segurar a lindeza do instante um bocadinho, o suficiente para levá-lo até o lugar onde o seu sabor nunca mais poderia ser perdido.
 
Eu via, olhos do coração abertos, e nunca mais perdi de vista... o sabor desse detalhe. Porque quem ama vê miudezas com olhar suficiente pra nunca mais se perderem. (Ana Jácomo)
 
 
Link: Cheiro de flor quando ri... http://anajacomo.blogspot.com/
 
 
 

CAIO FERNANDO ABREU


Trechos de um texto de Caio Fernando Abreu...

-Você gosta de estrelas?
-Gosto. Você também?
-Também. Você está olhando a lua?
-Quase cheia. Em Virgem.
-Amanhã faz conjunção com Júpiter.
-Com Saturno também.
-Isso é bom?
-Eu não sei. Deve ser.
-É sim. Bom encontrar você.
-Também acho.

(Silêncio)

-Você é de Virgem?
-Sou. E você, de Capricórnio?
-Sou. Eu sabia.
-Eu sabia também.
-Combinamos: terra.
-Sim. Combinamos.

(Silêncio)

-Amanhã vou embora para Paris.
-Amanhã vou embora para Natal.
-Eu te mando um cartão de lá.
-Eu te mando um cartão de lá.
-No meu cartão vai ter uma pedra suspensa sobre o mar.
-No meu não vai ter pedra, só mar. E uma palmeira debruçada.

(Silêncio)

-Vou tomar chá de ayahuasca e ver você egípcia. Parada do meu lado, olhando de perfil.
-Vou tomar chá de datura e ver você tuaregue. Perdido no deserto, ofuscado pelo sol.
-Vamos nos ver?
-No teu chá. No meu chá.

(Silêncio)

-Quando a noite chegar cedo e a neve cobrir as ruas, ficarei o dia inteiro na cama pensando em dormir com você.
-Quando estiver muito quente, me dará uma moleza de balançar devagarinho na rede pensando em dormir com você.
-Vou te escrever carta e não te mandar.
-Vou tentar recompor teu rosto sem conseguir.
-Vou ver Júpiter e me lembrar de você.
-Vou ver Saturno e me lembrar de você.
-Daqui a vinte anos voltarão a se encontrar.
-O tempo não existe.
-O tempo existe, sim, e devora.
-Vou procurar teu cheiro no corpo de outra mulher. Sem encontrar, porque terei esquecido. Alfazema?
-Alecrim. Quando eu olhar a noite enorme do Equador, pensarei se tudo isso foi um encontro ou uma despedida.
-E que uma palavra ou um gesto, seu ou meu, seria suficiente para modificar nossos roteiros.

(Silêncio)

-Mas não seria natural.
-Natural é as pessoas se encontrarem e se perderem.
-Natural é encontrar. Natural é perder.
-Linhas paralelas se encontram no infinito.
-O infinito não acaba. O infinito é nunca.
-Ou sempre.

(Silêncio)

-Tudo isso é muito abstrato. Está tocando "Kiss, kiss, kiss". Por que você não me convida para dormirmos juntos?
-Você quer dormir comigo?
-Não.
-Porque não é preciso?
-Porque não é preciso.

(Silêncio)

-Me beija.
-Te beijo.
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